Pratique o desapego. Esse mantra ecoa mundo afora quase como
uma ordem. Não: é mais do que isso. Praticar o desapego virou uma filosofia de
vida, um jeito desapegado de ver as coisas. Praticar o desapego, não sei por
qual razão, é praticamente o primeiro mandamento para se resolver conflitos
internos hoje em dia. Só que praticar o desapego requer prática. E praticar o desapego
é tudo, menos prático.
Valendo-me de uma frase, não, melhor dizendo: um conselho,
isso, um conselho que ouvi há uns dias, sobre sempre tentar ilustrar teorias
com exemplos, pensei em começar esse texto comentando sobre um tipo de pessoa
que existe aos montes por aí. Chamaremos essa pessoa de Dadá. Dadá passou os
últimos dois anos namorando. Dadá era romântico, pelo menos era isso que
demonstrava nas redes sociais, sempre com postagens amorosas, fazendo questão
de mostrar para o mundo o quão feliz era por estar naquela relação
aparentemente perfeita. Pois bem. Mas até as relações aparentemente perfeitas
acabam. E com Dadá não foi diferente. Demorou mais de dois anos, mas o
relacionamento de Dadá acabou. E a mudança de comportamento que veio a seguir foi
um choque para todo mundo.
Ao contrário do que se possa imaginar, Dadá não ficou se
martirizando por sua relação aparentemente perfeita ter chegado ao fim. Nada de
posts ofensivos no Facebook ou tweets que pudessem de alguma forma atingir a
sua ex. Não, nada disso. Dadá decidiu excluir aquele relacionamento do mapa.
Era como se nunca tivesse acontecido. Mal ficou solteiro, já estava pronto para
outra. “Agora eu tô solteiro e ninguém vai me segurar”. Ao melhor estilo
presidiário recém-liberto, queria aproveitar sua liberdade. Dizia para todo
mundo que relacionamentos eram como uma prisão. Levou o termo “compromisso
nunca mais” como frase de bolso. Parecia engajado numa jornada
descompromissada. Por isso nos surpreendemos novamente quando, algumas semanas
depois, o Facebook anunciava que Dadá estava em um relacionamento sério. E com
uma pessoa diferente.
Dadá é só mais uma em meio a tantas almas inconsoláveis que
emendam um relacionamento no outro. Almas que parecem ter certa aversão à
solteirice. Acho irônico, até, tendo em vista que o que costuma ocorrer
atualmente é justamente o contrário: o maior medo, ao que parece, é o de se
comprometer. Mas almas como a de Dadá preferem estar em um relacionamento,
ainda que este não seja lá aquelas coisas, do que encarar a vida por si só.
Para pessoas assim, o relacionamento funciona como uma espécie de muleta. Elas
sentem que precisam desse apoio, senão caem. E, por terem se habituado às
muletas, vão perdendo cada vez mais a capacidade de caminhar sozinhas.
Essa necessidade de outrem, de buscar apoio num
relacionamento, é mais comum do que se imagina. Tem-se o costume de imaginar
que a outra pessoa vai nos dar a estabilidade e a segurança que tememos não
conseguir por conta própria. Entramos na relação como quem entra num abrigo
para proteger-se da tempestade. Mas relacionamentos-abrigo são frágeis,
instáveis; os problemas-tempestade, por sua vez, vêm com força total.
Entende-se, então, que entrar num relacionamento por necessidade é dar um tiro
no pé. E me impressiona a quantidade de pessoas que fazem isso. Masoquismo,
talvez? Acredito que não.
Seguindo nessa linha de raciocínio, é possível ter uma noção
melhor a respeito de um dos motivos pelos quais as relações modernas têm sido
caracterizadas como superficiais. Ao enxergarmos a outra pessoa como uma
muleta, um estepe, não estamos interessados nela propriamente: o interesse não
está na pessoa, mas sim no que ela pode nos proporcionar (abrigo, conforto,
etc). E qualquer relação baseada em interesse, seja ele material ou, nesse
caso, emocional, está fadada ao fracasso. A questão aqui é que, justamente por
vermos nosso parceiro como um objeto (do qual gostamos somente enquanto ele
ainda tem algo a oferecer), pouco nos importamos com o sucesso ou fracasso da
relação. É por isso que as pessoas Dadá não se martirizam após o término: elas
sabem que logo haverá outra muleta capaz de sustentar a ferida da solidão. E
depois outra. E outra. E assim sucessivamente.
Pessoas Dadá se apegam fácil, mas desapegam mais fácil
ainda. Não há um sentimento de amor genuíno pelo outro, por isso a facilidade
em desapegar. A expressão “usar e jogar fora” se encaixa bem nesse contexto. O
termo “relacionamento descartável” também. Ainda que façamos uso prolongado de
nossas muletas, elas não chegam a ter um valor sentimental tão grande assim,
tornando bem menos complicada a prática do desapego: por que se martirizar por
uma muleta em especial quando qualquer outra pode substituí-la perfeitamente?
Escrever sobre desapego me fez lembrar de um post que circula
pela internet há um tempo. Algo a respeito de verdades cruéis sobre os
relacionamentos modernos. É uma lista, na verdade. E um dos itens, um dos
primeiros, diz que a pessoa mais desapegada tem o “poder” sobre a relação. Por
demonstrar menos interesse, ela é o pilar mais forte. Faz sentido, assumo. Mas
me entristece que faça, afinal demonstrar interesse, apego, deveria ser item
primordial para uma relação prosperar. Mas não é isso que acontece: para a
geração do desapego, demonstrar interesse é sinal de fraqueza. Pensem no
relacionamento como uma montanha. Quanto mais interesse você demonstra, mais
você escala essa montanha; consequentemente, maior será o impacto na hora da
queda. O medo de cair interfere na relação de uma maneira tão absurda que os
envolvidos entram numa briga para ver quem escala menos. Há também aqueles mais
apegados, que escalam até o topo; são chamados de intensos. E de gente intensa
a geração desapego quer distância.
Dia desses, uma amiga minha postou foto com o namorado no
Instagram. A legenda era: “você me faz mais forte.” Ela, que sempre foi
bastante independente, passou a se julgar mais forte estando ao lado de outra
pessoa. Um outro amigo disse, em meio a uma discussão sobre relacionamentos,
que só conseguiu se conhecer e se sentir feliz de verdade quando passou um
tempo solteiro. Percebam: a felicidade não tem nada a ver com estarmos sozinhos
ou acompanhados. Amor e felicidade podem muito bem andar juntos, mas é preciso
deixar uma coisa bem clara: no corpo da felicidade, o amor não é um órgão
vital.
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