quinta-feira, 30 de julho de 2015

SOBRE A INCRÍVEL GERAÇÃO QUE SE APEGA FÁCIL (E DESAPEGA MAIS FÁCIL AINDA)

Pratique o desapego. Esse mantra ecoa mundo afora quase como uma ordem. Não: é mais do que isso. Praticar o desapego virou uma filosofia de vida, um jeito desapegado de ver as coisas. Praticar o desapego, não sei por qual razão, é praticamente o primeiro mandamento para se resolver conflitos internos hoje em dia. Só que praticar o desapego requer prática. E praticar o desapego é tudo, menos prático.
Valendo-me de uma frase, não, melhor dizendo: um conselho, isso, um conselho que ouvi há uns dias, sobre sempre tentar ilustrar teorias com exemplos, pensei em começar esse texto comentando sobre um tipo de pessoa que existe aos montes por aí. Chamaremos essa pessoa de Dadá. Dadá passou os últimos dois anos namorando. Dadá era romântico, pelo menos era isso que demonstrava nas redes sociais, sempre com postagens amorosas, fazendo questão de mostrar para o mundo o quão feliz era por estar naquela relação aparentemente perfeita. Pois bem. Mas até as relações aparentemente perfeitas acabam. E com Dadá não foi diferente. Demorou mais de dois anos, mas o relacionamento de Dadá acabou. E a mudança de comportamento que veio a seguir foi um choque para todo mundo.
Ao contrário do que se possa imaginar, Dadá não ficou se martirizando por sua relação aparentemente perfeita ter chegado ao fim. Nada de posts ofensivos no Facebook ou tweets que pudessem de alguma forma atingir a sua ex. Não, nada disso. Dadá decidiu excluir aquele relacionamento do mapa. Era como se nunca tivesse acontecido. Mal ficou solteiro, já estava pronto para outra. “Agora eu tô solteiro e ninguém vai me segurar”. Ao melhor estilo presidiário recém-liberto, queria aproveitar sua liberdade. Dizia para todo mundo que relacionamentos eram como uma prisão. Levou o termo “compromisso nunca mais” como frase de bolso. Parecia engajado numa jornada descompromissada. Por isso nos surpreendemos novamente quando, algumas semanas depois, o Facebook anunciava que Dadá estava em um relacionamento sério. E com uma pessoa diferente.
Dadá é só mais uma em meio a tantas almas inconsoláveis que emendam um relacionamento no outro. Almas que parecem ter certa aversão à solteirice. Acho irônico, até, tendo em vista que o que costuma ocorrer atualmente é justamente o contrário: o maior medo, ao que parece, é o de se comprometer. Mas almas como a de Dadá preferem estar em um relacionamento, ainda que este não seja lá aquelas coisas, do que encarar a vida por si só. Para pessoas assim, o relacionamento funciona como uma espécie de muleta. Elas sentem que precisam desse apoio, senão caem. E, por terem se habituado às muletas, vão perdendo cada vez mais a capacidade de caminhar sozinhas.
Essa necessidade de outrem, de buscar apoio num relacionamento, é mais comum do que se imagina. Tem-se o costume de imaginar que a outra pessoa vai nos dar a estabilidade e a segurança que tememos não conseguir por conta própria. Entramos na relação como quem entra num abrigo para proteger-se da tempestade. Mas relacionamentos-abrigo são frágeis, instáveis; os problemas-tempestade, por sua vez, vêm com força total. Entende-se, então, que entrar num relacionamento por necessidade é dar um tiro no pé. E me impressiona a quantidade de pessoas que fazem isso. Masoquismo, talvez? Acredito que não.
Seguindo nessa linha de raciocínio, é possível ter uma noção melhor a respeito de um dos motivos pelos quais as relações modernas têm sido caracterizadas como superficiais. Ao enxergarmos a outra pessoa como uma muleta, um estepe, não estamos interessados nela propriamente: o interesse não está na pessoa, mas sim no que ela pode nos proporcionar (abrigo, conforto, etc). E qualquer relação baseada em interesse, seja ele material ou, nesse caso, emocional, está fadada ao fracasso. A questão aqui é que, justamente por vermos nosso parceiro como um objeto (do qual gostamos somente enquanto ele ainda tem algo a oferecer), pouco nos importamos com o sucesso ou fracasso da relação. É por isso que as pessoas Dadá não se martirizam após o término: elas sabem que logo haverá outra muleta capaz de sustentar a ferida da solidão. E depois outra. E outra. E assim sucessivamente.
Pessoas Dadá se apegam fácil, mas desapegam mais fácil ainda. Não há um sentimento de amor genuíno pelo outro, por isso a facilidade em desapegar. A expressão “usar e jogar fora” se encaixa bem nesse contexto. O termo “relacionamento descartável” também. Ainda que façamos uso prolongado de nossas muletas, elas não chegam a ter um valor sentimental tão grande assim, tornando bem menos complicada a prática do desapego: por que se martirizar por uma muleta em especial quando qualquer outra pode substituí-la perfeitamente?
Escrever sobre desapego me fez lembrar de um post que circula pela internet há um tempo. Algo a respeito de verdades cruéis sobre os relacionamentos modernos. É uma lista, na verdade. E um dos itens, um dos primeiros, diz que a pessoa mais desapegada tem o “poder” sobre a relação. Por demonstrar menos interesse, ela é o pilar mais forte. Faz sentido, assumo. Mas me entristece que faça, afinal demonstrar interesse, apego, deveria ser item primordial para uma relação prosperar. Mas não é isso que acontece: para a geração do desapego, demonstrar interesse é sinal de fraqueza. Pensem no relacionamento como uma montanha. Quanto mais interesse você demonstra, mais você escala essa montanha; consequentemente, maior será o impacto na hora da queda. O medo de cair interfere na relação de uma maneira tão absurda que os envolvidos entram numa briga para ver quem escala menos. Há também aqueles mais apegados, que escalam até o topo; são chamados de intensos. E de gente intensa a geração desapego quer distância.

Dia desses, uma amiga minha postou foto com o namorado no Instagram. A legenda era: “você me faz mais forte.” Ela, que sempre foi bastante independente, passou a se julgar mais forte estando ao lado de outra pessoa. Um outro amigo disse, em meio a uma discussão sobre relacionamentos, que só conseguiu se conhecer e se sentir feliz de verdade quando passou um tempo solteiro. Percebam: a felicidade não tem nada a ver com estarmos sozinhos ou acompanhados. Amor e felicidade podem muito bem andar juntos, mas é preciso deixar uma coisa bem clara: no corpo da felicidade, o amor não é um órgão vital.


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